terça-feira, 9 de junho de 2009

Pululação






Bruno Vilela


Acordou cansada, de um sono exaustivo, acabara de se livrar de mais um pesadelo. As cobertas pesavam especialmente nos pés que agora estavam dormentes. Deu bom dia aos seus pôsteres e quadros, levantou-se da cama e tropeçou em uma sandália. Toda manhã a sandália estava lá, para fazê-la cair e cair novamente. Andou em direção a porta para pegar o banheiro antes do irmão. Abriu a porta do quarto e caminhou pelo corredor, torcendo não tão profundamente para ser a primeira a se banhar. A água correu quente pelo corpo, a nudez fazia dela uma pessoa livre. Enxugou-se e saiu do banheiro, voltou para o quarto e se vestiu, lentamente, atrasando sua descida o máximo possível.

Desceu as escadas melosamente, apoiando todo o seu peso no corrimão encerado. A cozinha era a direita, velha e com um mobiliário tedioso, uma das cadeiras quebrara com o peso do padrasto. Abriu o armário e pegou um indefectível Sucrilhos. A mesma tigela de porcelana, a mesma marca de leite, a mesma mesa, a mesma cozinha, a mesma casa, a mesma cidade, a mesma vida. Cada colherada de cereal era como uma porção de monotonia. Levantou-se da mesa minutos depois, com enorme relutância. Definitivamente não queria sair de casa aquela manhã, especialmente com o frio que fazia lá fora.

Já havia andado dois quarteirões, quarenta e um passos, cumprimentado três pessoas, demorado dois minutos e vinte e dois segundos. Era a mais lenta da família, sempre demorada. Apesar de tudo era a mais esperta e convicta. Havia chovido recentemente, e as poças eram como minas que ela evitava sempre que possível. Ela andava sem perceber, quando se deu conta da própria localização, estava cerca de quinze metros depois do seu destino. Voltou o caminho ultrapassado e entrou na loja. Pegou tudo o que tinha que pegar, pagou tudo o que tinha que pagar e voltou para casa. Casa! a palavra agora ficava pululando a sua mente. Havia sido abençoada, ou às vezes até amaldiçoada, com a mania de pensar em tudo, um simples centavo lhe remetia a mineração do cobre, os escravos, as minas no distante Brasil.

Era domingo, ah! o domingo, seis dias de completa tortura para serem compensados com vinte e quatro horas de completa tolice. Uma saciante tolice. A inteligência cansava, modéstia a parte, era a mais inteligente no colégio. Um simples 94 lhe causava arrepios. Ficava pensando no que havia feito errado para tirar uma nota tão lamentável, então olhava para o lado e via o 32 do Calvin Borrol. No fundo, estava tudo bem.

Mal chegou na escada e já sabia o que fazer, ela iria para a cama, dormir e esperar por um sonho, um sonho eterno no qual ela pudesse ser feliz. Feliz! outra bela palavra para se pensar. Queria acordar e ver o dia brilhar, queria tomar um banho frio, queria pão não Sucrilhos, queria sol não chuva, queria flores não poças, queria um teatro não uma loja, queria uma vida não uma novela.

Por isso ela dormiu, tendo a esperança de cobertor, a inteligência de travesseiro e a vontade de cama.

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