terça-feira, 9 de junho de 2009

Mentalmente escrito

Amana Dias

PI, PI, PI, PI – Plaf.

O despertador o acordara de novo para mais um dia de puras palavras.

Uma ideia: Porque não escrever sobre despertadores? Ou seria mais convicto escrever sobre dias que começam com despertadores?

Uma explosão de palavras vinha em sua mente, abrindo ideias para novos mundos, novos universos.

Saindo da cama e indo direto para a cozinha, pensou em tudo o que comeria esta manhã, e em histórias fantásticas que poderiam ser feitas com apenas pão e geléia.

Abrindo a geladeira descobriu um leite estragado,  azedo, assim como as pessoas de hoje em dia. Mas bem escondido no canto, estava um pedacinho de chocolate, doce e espontâneo.

De repente seus olhos posaram em dois pedaços de pão.

Resolveu escrever sobre torradas. Fez exatamente como o personagem faria em seu livro. Preparou, deliciou e engoliu. Mas... Já havia lido um livro sobre torradas, e seria bem enfadonho se uma pessoa encontrasse os mesmos temas exóticos em dois livros.

Se vestiu para ir tomar café na padaria ao lado. Estava um dia nublado, frio e chuvoso. Como é costume para dias fechados assim, pôs suas botas de chuva e uma capa verde-escuro.

Era uma rua mal-feita e sinuosa, e um livro com estradas igualmente ruins que davam em grandes castelos seria até melhor que um livro de torradas.

Pegou um bloquinho no bolso e anotou ‘’Estradas Sinuosas’’ e logo abaixo ‘’Castelos longínquos’’. Pensou em um épico rei; usaria sua própria imagem para isso. Riu de tal pensamento.

Chegando à padaria, começou a observar os produtos. Pensou em historias para fermentos, queijos, uvas, maçãs, doces, pudins, estantes para vinhos, vinhos, biscoitos... Uma coisa diferente chamou-lhe a atenção: Um chapéu. Estava na cabeça de uma ilustre senhora.

Havia outro na cabeça de um homem mau humorado.

Ah, que tal uma história sobre um rei que acordava com um despertador, comia torrada com geléia, vivia com pessoas alegres e azedas, vivia num castelo longínquo na qual havia uma estrada sinuosa e tinha uma coleção de chapéus?

Não, pensou, pouco criativo.

Desistiu do café. Voltou para casa com uma ideia magnífica na cabeça: um acampamento.

Começou com ‘’Um urso atacou minha barraca’’ mas acabou por aí, pois, por incrível que pareça, passara tanto tempo para escrever o começo de seu livro que já estava com fome de novo. Saiu para comprar macarrão.

Andando sorrateiramente pela rua sinuosa de novo, um homem vinha em sua direção.

O homem, alcançando-o, falou coisas grosseiras sobre dinheiro e morte. Como nada fez, já que estava pensando em um livro sobre um insolente homem, o mesmo deu-lhe um tiro.

Blá, Blá, Blá.

Morreu pensando nas palavras, na qual conviveu a vida inteira.

Pessoas espontâneas, insolente, dignas, convictas, espertas, atentas, sonhadoras, amorosas, tristes, bonitas, atrapalhadas, árduas, interessantes, desatentas, alegres, desatentas, raivosas, desatentas, sorridentes, desatentas, encontrou na vida e com isso suas ideias expandiam-se para novos personagens para livros pensados e formulados mas nunca escritos.

Assim foi o fim de seu livro.

Um comentário:

patricia mc quade disse...

É menina Amana!
vc tem estilo de literata.
continue nos presenteando com seus escritos-surpresas.
dá um prazer danado de ler!
bj.